27 de maio de 2016

Caio Fernando Abreu

Poderíamos casar. 
Não chegaríamos sequer perto do exemplo de família perfeita. 
Teríamos um apartamento, quem sabe uma casa com jardim e um cão com pêlo brilhante. Improvável. Tomaríamos café as cinco da tarde.
 Você reclamaria o fato de eu ligar o chuveiro horas antes de ir para o banho. 
Eu, por você ter arranhado meu CD de jogo favorito.
 Eu não admitiria o quanto você fica bonito quando bravo e você não diria que lembra da cor do sapato que eu usei quando nos vimos pela primeira vez. 
Discordaríamos quanto a cor das cortinas. 
Não arrumaríamos a cama diariamente, beberíamos juntos em algum clube no final de semana. 
A geladeira seria repleta de congelados e coca-cola, o armário, de porcarias. 
Adiaríamos o despertador umas trinta e duas vezes só para ficarmos horas na cama enrolando e falando qualquer besteira. 
Você me ensinaria alguma coisa sobre futebol, e eu te convenceria a assistir aquele filme no cinema. 
Sentaríamos na sala de pijama e pantufas, você iria direto para o caderno de esportes no jornal e eu comentaria alguma notícia qualquer.
 Você saberia o nome do meu perfume, eu saberia onde você largou a última edição da revista de música. 
Sairíamos pra jantar em algum dia de chuva e não nos importaríamos em chegarmos encharcados. 
Dormiríamos com o computador ligado. 
Nos beijaríamos no meio de alguma frase. 
Você pegaria no sono com a mão no meu cabelo e eu, escutando sua respiração. 
Eu riria sem motivo e você perguntaria porque, eu não responderia. 
Saberíamos.
— Caio Fernando Abreu.

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